Ultimam-se os preparativos da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável que se realizará em Joanesburgo no final de Agosto. Também conhecida como Conferência Rio Mais Dez, a importância desta conferência reside precisamente no facto de nela serem avaliados os resultados da Agenda 21 formulada na Cimeira do Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada há dez anos no Rio de Janeiro. Neste tipo de conferências, a análise dos trabalhos preparatórios permite antever com grande aproximação o êxito ou o fracasso da reunião. À luz dessa análise, se nada de dramático ocorrer em contrário nos próximos dois meses, tenho razões para estar céptico a respeito da Conferência de Joanesburgo. Eis, porquê.
Certamente desde há vários séculos mas, na sua forma actual, desde o início da década de noventa do século passado, dois modelos de desenvolvimento se digladiam a nível internacional: o modelo neoliberal e o modelo do desenvolvimento sustentável. O primeiro modelo, de longe, dominante, assenta nas seguintes ideias: liberalização dos mercados; prioridade ao crescimento económico e à competitividade; intervenção mínima do Estado no pressuposto de que o mercado é eficiente; privatização dos serviços públicos, da educação à saúde, de fornecimento de água e de energia à segurança social. Por sua vez, o modelo de desenvolvimento sustentável assenta no seguinte: é possível e necessário combinar produtividade com protecção social e equidade ambiental; o modelo neoliberal, além de agravar as desigualdades sociais para além do que é tolerável, é ecologicamente insustentável na medida em que os seus padrões de produção e de consumo estão a destruir o planeta e a tal ponto que as necessidades básicas das gerações futuras deixam de estar asseguradas; as relações entre países ricos e países pobres devem combinar comércio com solidariedade; as responsabilidades na protecção do meio ambiente são comuns mas diferenciadas na medida em que os países desenvolvidos contribuíram mais para a destruição dos recursos naturais e a degradação ambiental; os estados dos países em desenvolvimento, as Nações Unidas e as organizações não governamentais devem ter poderes que contrabalancem os do Banco Mundial, do FMI e das empresas multinacionais.Ao longo da última década, estes dois modelos tiveram múltiplos confrontos e, em todos eles, o modelo neoliberal aprofundou o seu domínio. De facto, a Cimeira do Rio foi o momento em que o modelo do desenvolvimento sustentável teve a sua mais convincente afirmação. Apesar da ausência de sanções e de fiscalização que assegurassem o cumprimento dos compromissos assumidos, a verdade é que os países desenvolvidos se sentiram na necessidade de fazer cedências aos países menos desenvolvidos em nome da justiça social e da equidade ambiental. Foi, porém, sol de pouca dura já que a reacção do modelo neoliberal não se fez esperar. Logo no ano seguinte, concluíram-se as negociações do Uruguai Round e nas Nações Unidas era eliminada a agência que se propunha estabelecer códigos de conduta para as empresas multinacionais. Em 1994 nascia a Organização Mundial do Comércio totalmente consagrada à promoção do modelo neoliberal e dotada de mecanismos para impor sanções efectivas (comerciais) aos não cumpridores. Desde então para cá, e apesar da emergência do movimento por uma globalização alternativa, o modelo neoliberal tem vindo a impor as suas regras com acrescida arrogância. Tremeu em Novembro de 1999 em Seattle, mas ganhou novo fôlego depois do 11 de Setembro de 2001. Esse fôlego manifesta-se hoje nos trabalhos preparatórios da Conferência de Joanesburgo. Daí o meu cepticismo. Dez anos depois do Rio, para a maioria dos países do mundo não estão garantidos nem o desenvolvimento nem a sustentabilidade, e muito menos o desenvolvimento sustentável. Há uma réstia de esperança e talvez venha de África. A ela dedicarei a próxima crónica.
Certamente desde há vários séculos mas, na sua forma actual, desde o início da década de noventa do século passado, dois modelos de desenvolvimento se digladiam a nível internacional: o modelo neoliberal e o modelo do desenvolvimento sustentável. O primeiro modelo, de longe, dominante, assenta nas seguintes ideias: liberalização dos mercados; prioridade ao crescimento económico e à competitividade; intervenção mínima do Estado no pressuposto de que o mercado é eficiente; privatização dos serviços públicos, da educação à saúde, de fornecimento de água e de energia à segurança social. Por sua vez, o modelo de desenvolvimento sustentável assenta no seguinte: é possível e necessário combinar produtividade com protecção social e equidade ambiental; o modelo neoliberal, além de agravar as desigualdades sociais para além do que é tolerável, é ecologicamente insustentável na medida em que os seus padrões de produção e de consumo estão a destruir o planeta e a tal ponto que as necessidades básicas das gerações futuras deixam de estar asseguradas; as relações entre países ricos e países pobres devem combinar comércio com solidariedade; as responsabilidades na protecção do meio ambiente são comuns mas diferenciadas na medida em que os países desenvolvidos contribuíram mais para a destruição dos recursos naturais e a degradação ambiental; os estados dos países em desenvolvimento, as Nações Unidas e as organizações não governamentais devem ter poderes que contrabalancem os do Banco Mundial, do FMI e das empresas multinacionais.Ao longo da última década, estes dois modelos tiveram múltiplos confrontos e, em todos eles, o modelo neoliberal aprofundou o seu domínio. De facto, a Cimeira do Rio foi o momento em que o modelo do desenvolvimento sustentável teve a sua mais convincente afirmação. Apesar da ausência de sanções e de fiscalização que assegurassem o cumprimento dos compromissos assumidos, a verdade é que os países desenvolvidos se sentiram na necessidade de fazer cedências aos países menos desenvolvidos em nome da justiça social e da equidade ambiental. Foi, porém, sol de pouca dura já que a reacção do modelo neoliberal não se fez esperar. Logo no ano seguinte, concluíram-se as negociações do Uruguai Round e nas Nações Unidas era eliminada a agência que se propunha estabelecer códigos de conduta para as empresas multinacionais. Em 1994 nascia a Organização Mundial do Comércio totalmente consagrada à promoção do modelo neoliberal e dotada de mecanismos para impor sanções efectivas (comerciais) aos não cumpridores. Desde então para cá, e apesar da emergência do movimento por uma globalização alternativa, o modelo neoliberal tem vindo a impor as suas regras com acrescida arrogância. Tremeu em Novembro de 1999 em Seattle, mas ganhou novo fôlego depois do 11 de Setembro de 2001. Esse fôlego manifesta-se hoje nos trabalhos preparatórios da Conferência de Joanesburgo. Daí o meu cepticismo. Dez anos depois do Rio, para a maioria dos países do mundo não estão garantidos nem o desenvolvimento nem a sustentabilidade, e muito menos o desenvolvimento sustentável. Há uma réstia de esperança e talvez venha de África. A ela dedicarei a próxima crónica.
Texto de Boaventura Sousa Santos, daqui.
Publicado na Visão, em 25 de Julho de 2002
Um comentário:
O Sr. Boaventura fala em combater o neoliberalismo e suas mazelas utilizando o mito da moda: o tal do "desenvolvimento sustentável".
Será que o Sr. Boaventura andou lendo Cervantes?
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